Fidelidade, Tradução e a Alegoria de Platão.

A palavra fidelidade automaticamente remete a assuntos referentes às relações humanas. No campo da tradução a coisa não muda muito, porém o tipo de relação a que essas palavras referem é a relação entre o tradutor e o texto a ser traduzido.

A tradução não foi fiel o texto original. Traduttore traidore... O que é fidelidade? Há como o tradutor relacionar-se com o texto e nunca traí-lo? A discussão é antiga e está longe de acabar. Uma pergunta surge: Há como ser fiel ao autor, à gramática, ao contexto social, à cultura, à época, ao público alvo e a tantas outras coisas consideráveis? Resposta para seus problemas: Não. Então por que não podemos simplesmente aceitar o fato de que se não errarmos nesta, iremos errar na próxima tradução ou na outra, ou na outra...?

How old are you? Quantos anos você tem? Qual a sua idade? Quão velho é você? Qual a tradução mais fiel? A mais perfeita? A certeza é um sentimento bastante raro e valioso no que se refere ao trabalho do tradutor e aquele que a tiver, por favor, dê-me um pouco. Considerar que esta ou aquela tradução será a perfeita é o mesmo que considerar que o príncipe encantado, montado em seu cavalo, existe. Há algo mais platônico que o par perfeito ou a tradução perfeita?

Representação da Alegoria da Caverna - de Platão
Se tratando de Platão, em um dos livros de sua república, ele fala sobre uma caverna subterrânea onde seres humanos estão aprisionados e a luz que ali entra vem de uma fogueira. Por causa da luz da fogueira e sua posição, os prisioneiros enxergam na parede da caverna as sombras de estatuetas transportadas, homens, animais e ouvem os sons exteriores, mas sem poderem ver as próprias estatuetas nem os homens. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas. 

Em analogia ao texto de Platão, parte da informação obtida pelos tradutores são imagens, narrações, vozes do mundo externo e podem fornecer informações tanto fidedignas quanto errôneas sobre esse mundo, ou no caso da tradução, sobre a língua alvo. Os tradutores vivem na alegórica caverna de Platão e se relacionam com projeções da realidade e assim como na alegoria, essa realidade é tida como a verdade.

Partindo disso, podemos verificar existência de dois universos tradutórios: aquele real, a língua materna que mais amplamente dominamos, e o supostamente real, a língua alvo, que aprendemos como língua estrangeira e que não dominamos no mesmo nível que a língua materna. Então em vez de ficar pensando o que é ou o que não é fidelidade, dispensemos mais atenção à precaução, à pesquisa e maximizar o conhecimento do universo exterior da “caverna”. 

Em um exercício de tradução, você pode marcar um xis em “Tooth Whitening” como o equivalente para Clareamento Dental. Ponto para você se quem fez esse clareamento comprou aquele gel e o fez em casa, mas se foi em uma clínica... Ops. Sorry! Try again. Foi “Bleeching”. Aquele que provavelmente a Xuxa fez. Como saber isso então, já que estamos na caverna da língua portuguesa e ouvimos vozes de palavras estrangeiras? Pesquise. Não fossilize a tradução de um termo ou palavra ficando satisfeito com a sua primeira tradução. Procure ser mais autocrítico. Peça para alguém ler seu texto, revisá-lo. É necessário ser bastante modesto para aceitar que é tão fácil errar quanto acertar e em uma tradução.

Os tradutores, aprisionados em sua caverna, se relacionam com as sombras da língua e traduzem com base na realidade desse seu mundo conhecido. Longe do universo da língua materna, a pesquisa é necessária e crucial para ampliar o conhecimento do tradutor, libertando-os da fossilização de suas traduções, colaborando para um resultado mais adequado.
 
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